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Belo Horizonte e Ouro Preto, Minas Gerais, Brazil
Doutora e Mestra em Direito Privado pela PUC Minas. Especialista em Direito Processual e Direito Civil. http://lattes.cnpq.br/0058010358863049 Pesquisadora do Centro de Estudos em Biodireito - CEBID: www.cebid.com.br Professora Assistente II do Departamento de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP: http://www.direito.ufop.br/ Advogada do NAJOP/UFOP Vice Coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa da UFOP - CEP/UFOP Blog: http://iaraufop.blogspot.com/ http://www.arraeseditores.com.br/aconselhamento-genetico-e-responsabilidade-civil.html

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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Paternidade socioafetiva prevalece sobre a biologica

Fonte: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=104858&utm_source=agencia&utm_medium=email&utm_campaign=pushsco

29/02/2012 - 08h06
DECISÃO
Exame de DNA negativo não basta para anular registro de nascimento
Para obter êxito em ação negatória de paternidade é necessário comprovar a inexistência de vínculo genético e, além disso, de vínculo social e afetivo. Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial interposto por homem que, após mais de 30 anos, pretendia anular os registros de nascimento das duas filhas, nos quais consta o seu nome.

O autor da ação sustentou que, após se casar, foi induzido a registrar como suas as filhas que a esposa teve com outro homem. Na época, ele não sabia que havia sido traído. Após um tempo, desconfiou da esposa, que confessou a traição.

Apesar disso, ele nunca contou às filhas que não era seu pai biológico, nem mesmo após separar-se da esposa. Depois disso, a relação de pai continuou. “Quando já eram moças, ficaram sabendo que eu não era o pai delas. Eu senti muito, mas, para mim, sempre foram minhas filhas”, disse o homem em depoimento.

O autor explicou que só entrou com o processo devido a uma disputa sobre bens, mas, independentemente disso, demonstrou o desejo de continuar sendo “o pai do coração delas”.

Estado social

Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente em relação às duas, mesmo que uma delas não tivesse contestado o pedido. Para o juiz, embora o exame de DNA tenha oferecido resultado negativo para a paternidade, a ocorrência da paternidade socioafetiva deve ser considerada.

Na segunda instância, a decisão do juiz foi mantida. Segundo a desembargadora relatora do acórdão, “sendo a filiação um estado social, comprovada a posse do estado de filhas, não se justifica a anulação do registro de nascimento”. Para ela, a narrativa do próprio autor demonstra a existência de vínculo parental.

No recurso especial interposto no STJ, o autor sustentou que, apesar do reconhecimento do vínculo social e afetivo entre ele e as filhas, deveria prevalecer a verdade real, a paternidade biológica, sem a qual o registro de nascimento deveria ser anulado, pois houve vício de consentimento.

O autor citou o julgamento proferido em outro recurso especial, na Terceira Turma: “A realização do exame pelo método DNA, a comprovar cientificamente a inexistência do vínculo genético, confere ao marido a possibilidade de obter, por meio de ação negatória de paternidade, a anulação do registro ocorrido com vício de consentimento.”

Convivência familiar

Para o relator do recurso especial, ministro Luis Felipe Salomão, “em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e a Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar”.

“A pretensão voltada à impugnação da paternidade”, continuou ele, “não pode prosperar quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva.”

O relator explicou que não é novo na doutrina o reconhecimento de que a negatória de paternidade, prevista no artigo 1.601 do Código Civil, submete-se a outras considerações que não a simples base da consanguinidade. Segundo ele, “exames laboratoriais hoje não são, em si, suficientes para a negação de laços estabelecidos nos recônditos espaços familiares”.

“A paternidade atualmente deve ser considerada gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a socioafetiva”, disse Salomão. Segundo o ministro, as instâncias ordinárias julgaram corretamente o caso ao negar o pedido do autor e reconhecer a paternidade socioafetiva.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.

Coordenadoria de Editoria e Imprensa

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Iara Souza

9 comentários:

  1. Acho correta a decisão do STJ, uma vez que, o próprio pai desejou permanecer com o vínculo socioafetivo que o unia as filhas mesmo após a separação, afirmando que elas sempre serão suas filhas e que deseja continuar sendo o pai de coração delas. Ora, é sabido que a paternidade não se resume apenas ao vínculo biológico mas também à relação socioafetiva, devendo prevalecer esta sobre aquela no caso em questão. Ele que ajuize uma ação contra a ex-mulher.

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    1. À luz de uma interpretação constitucional do Código Civil, tem-se que a paternidade sócio-afetiva deve ser reconhecida, uma vez que há uma preocupação na proteção da dignidade da pessoa humana, bem como dos interesses da criança. Segundo Everton Leandro da Costa, em artigo publicado no site do IBDFAM, "culturalmente vem sendo analisada que a paternidade não é somente um "dado", ela se "faz", se constrói com o passar do tempo, com dedicação, atenção, respeito, carinho, zelo, etc." O autor ainda afirma que "antigamente, tínhamos a verdade jurídica como premissa da paternidade, depois passamos para a verdade biológica e agora, estudiosos do direito e a própria exigência para atingir o princípio da dignidade humana, faz-nos partir para a defesa da paternidade socioafetiva, mas sem desprezar as demais." Sendo assim, os laços de afeto, carinho e de solidariedade derivam da convivência e não do sangue, o que faz com que muitas vezes a filiação socioafetiva inclusive se sobreponha à biológica. A filiação, na verdade, embora a princípio seja vinculada à questão biológica, é fruto da convivência, sendo uma constante construção dessa relação de respeito pautada no afeto entre os envolvidos. No entanto, tem-se que assim como não se pode negar ao filho o direito de conhecer os seus pais biológicos, é também direito do pai sócio-afetivo a desconstituição de filiação que reconheceu pensando ser seu filho biológico aquele que, de fato, não era. Nesse contexto, restou acertada a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, uma vez que, ainda que haja esse direito do pai, demonstrou que a relação de afetividade deve prevalecer. O voto do relator demonstra que a negativa de paternidade deve ocorrer quando tanto a ausência de filiação biológica quanto a afetiva forem devidamente comprovadas, o que não ocorreu na hipótese em apreço. Na situação mencionada, o recorrente, na época em que soube não ser o pai biológico das meninas, quedou-se inerte, uma vez que as considerava como filhas, e, portanto, reconhecia essa relação de afeto, ou ainda, um vínculo sócio-afetivo. Desta feita, não caberia, por óbvio, o desfazimento dessa relação fática por questões notadamente patrimoniais (partilha de bens), uma vez que a conservação da filiação e proteção do princípio da afetividade devem ser tutelados pelo Direito, tanto pelo valor que os mesmos representam quanto pela noção de segurança jurídica que lhes é inerente.

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  2. Mariana Luiza de Faria16 de abril de 2012 às 18:55

    Concordo com a decisão do STJ uma vez que, segundo entendo, o DNA não pode ser considerado a prova absoluta em um processo onde se busca o reconhecimento ou a retirada do status de paternidade. Mais que isto, entendo que a filiação é o vínculo jurídico que une o ascendente com o descendente de primeiro grau, podendo ter origem biológica, civil ou sócio-afetiva, e, havendo coexistência/conflito entre tais origens, a afetividade deve prevalecer. Cito como exemplo o caso de uma criança que tem um pai biológico, mas como nunca conversou com ele, considera o padrasto como pai. Nesse caso, se o padrasto registra a criança, não cabe ao pai biológico questionar tal registro posteriormente em razão do vínculo de sangue. Deve preponderar a socioafetividade. Dito isto, entendo acertada a decisão do STJ, e no casa em questão, não há que se falar em negatória de paternidade em razão de uma disputa de bens, como quis o autor. Se o problema dele é este, ele deve procurar outra saída amparada pelo direito.

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  3. A paternidade sócio afetiva decorre da relação fundada entre um adulto com uma criança ou adolescente, decorrente de uma convivência em uma relação de afeto consolidada como de pais e filhos, sem contudo haver o vínculo genético. Pois nestes casos adulto não é o pai biológico nem adotivo dessa criança ou adolescente.

    No presente caso julgado pelo STJ restou evidente através do próprio depoimento do pai sócio afetivo, que este criou laços efetivos para as duas meninas, filhas da mulher do seu antigo relacionamento.

    Entendo que a separação do casal não é motivo para desconstituição dessa situação criada, pois conforme muito bem ressaltado pelo Ministro Salomão “A paternidade atualmente deve ser considerada gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a socioafetiva".

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  4. Vivemos em uma sociedade na qual o vinculo afetivo se torna cada vez mais importante nas relações familiares. Não há como se considerar uma ação negatória de paternidade alegando apenas o exame de DNA. Nesse sentido, acertaram os juízes das diversas instâncias que julgaram o caso.
    O próprio pai reconheceu tal situação:“Quando já eram moças, ficaram sabendo que eu não era o pai delas. Eu senti muito, mas, para mim, sempre foram minhas filhas”. Sendo assim, não há que se falar que não havia paternidade socioafetiva.
    Embora o exame de DNA tenha oferecido resultado negativo para a paternidade, a ocorrência da paternidade socioafetiva deve ser considerada, conforme defende o juiz a primeira instância.
    O relator do recurso especial, ministro Luis Felipe Salomão, resumiu de forma brilhante a questão em discussão: “em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e a Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar”.

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  5. Não vejo muita controvérsia acerca do fato uma vez que o próprio pai relatou que, na prática, a relação era de pai/filha mesmo ele sabendo que houve traição e ,biologicamente, não era o pai. Então está caracterizada a paternidade por sócio afetividade. A pessoa, por livre e espontânea decisão pessoal, trata como filho (a) o menor que ele sabe não ser biologicamente seu filho. Se há configuração de bom ambiente familiar, a lei passa a ter seu objetivo alcançado. O que é de se questionar é o motivo que levou ao ajuizamento da ação. O autor quer deixar de ser pai por motivo de disputa de bens. Ora, se a pessoa é pai e assim se considera, deve assim ser sempre. Não há de se falar em paternidade ocasional ou sazonal. A decisão no sentido de manter a paternidade por sócio afetividade me parece razoável e acertada.

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  6. Fato que me chamou atenção a este artigo, foi o autor da ação de negatória de paternidade, pai socioafetivo confessar que pretende continuar sendo "pai de coração" de suas duas filhas, mas que pela questão dos bens pretendia desconstituir a paternidade.
    Ainda bem que para o Direito brasileiro,materializada pela decisão do STJ, a questão do vínculo social afetivo não se dissolva de maneira tão simples. É evidente a existência deste vínculo na relação que une este pai e suas filhas, fruto de outro relacionamento de sua ex-cônjuge. Deve-se ter em mente sempre a importância de preservar os interesses dessas menores, tanto no aspecto familiar quanto no aspecto econômico.

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  7. Com o surgimento de novos modelos de entidades familiares, como as famílias mosaico e os casamentos homoafetivos, o vínculo socioafetivo ganhou forças nas decisões dos Tribunais. Atualmente já não é possível colocar o critério biológico como decisivo para a caracterização dos vínculos familiares. A decisão acima demostrou como o vínculo biológico vem sendo equiparado ao socioafetivo, garantindo aos filhos segurança diante de situações como a tratada, em que um pai, após 20 anos de paternidade requereu a desconsideração do reconhecimento de paternidade em função da negativa do exame de DNA, apesar de o próprio requerente assumir o vinculo socioafetivo com as filhas. Dessa forma, entendo que os tribunais devem continuar decidindo pela mantença as relações familiares e pelo melhor interesse dos filhos, que sem culpa, podem de um dia para o outro, perder a relação paternal.

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  8. A ação negatória de paternidade pode sim ser julgada improcedente mesmo tendo o exame de DNA ter tido resultado negativo, isso porque poderá ser analisado o vínculo afetivo, a convivência familiar e, é claro, o melhor interesse dos filhos. O sentimento de amor, o cuidado, a educação e a afetividade também são aspectos relevantes na relação familiar. A paternidade vai além do vínculo genético.

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